Quem já acessava a internet na década de 1990 deve se lembrar do Napster, que foi o primeiro programa de compartilhamento P2P a oferecer aos usuários a possibilidade de compartilhar e distribuir seus arquivos MP3. Depois de alguns anos, o Napster enfrentou ações judiciais e foi desativado, voltando posteriormente com um modelo de negócios diferente: a venda de música via internet.
O parágrafo acima retrata uma situação que parece ser a tendência da música digital no mundo. O MP3 veio para facilitar, mas também para causar grande discórdia entre os que discutem a legalidade dos arquivos distribuídos. Enquanto milhões de músicas são compartilhadas na rede, a indústria fonográfica sai em uma caça às bruxas para tentar reduzir a pirataria, que segundo ela, tem o MP3 como o grande vilão.
Neste artigo, discutiremos alguns assuntos polêmicos, a diferença entre o que é ilegal e o que não é, além de alternativas que o mercado tenta melhorar para coibir a distribuição de música sem autorização ou devida cobrança dos direitos autorais. Não parece que essa batalha terá fim, a menos que as partes envolvidas cheguem a um acordo, ou uma delas perca a queda-de-braço.
Dilemas da indústria fonográfica
Muitas pessoas deixam de comprar os CDs originais de suas bandas favoritas, principalmente pela facilidade com que eles podem ser encontrados na internet. Um motivo secundário seria os preços dos discos, que muitos fãs consideram abusivos. Os grandes selos musicais tentam de diversas formas fiscalizar e apertar o cerco ao que consideram violação de seus direitos, bem como “caçar” e punir os maiores responsáveis pela facilitação da distribuição do conteúdo pirata.
Criada a partir da fusão de duas organizações, a APCM (Associação Antipirataria de Cinema e Música) é hoje uma das principais armas dos produtores de entretenimento, na guerra contra a pirataria. Suas ações visam atacar a pirataria onde dói, ou seja, tomar medidas para que sites, serviços e redes de pirataria sejam no mínimo desativados, e no máximo terem seus donos processados criminalmente.
*A divisão responsável pelo combate à pirataria de música é a ABPD (Associação Brasileira de Produtores de Discos). O Baixaki enviou um email para a assessoria de imprensa da organização, mas até a publicação deste artigo, ainda não havíamos recebido resposta. Mas fique ligado: assim que tivermos alguma notícia, publicaremos neste espaço.
O problema das ações antipirataria é que elas não são suficientes para reduzir o problema a níveis significativos, e ainda inflamam as opiniões daqueles que defendem a livre troca de informações, sejam elas quais forem. Na verdade, a impressão que se tem é que a pirataria só aumenta. Obviamente não podemos dizer que nada foi feito, pois muitos piratas já perderam o negócio por decisão judicial.
Distribuidores e replicadores
Existem na internet milhares de sites que oferecem o download de músicas em MP3 para quem quiser baixar. Disponibilizando desde músicas avulsas, até discografias completas, estes sites estão muito populares e melhoram a cada dia a forma como distribuem os arquivos. O procedimento comum é colocar em todas as suas páginas uma frase em letras garrafais, informando que o site não é um repositório de arquivos e que ele só disponibiliza links para sistemas de armazenamento gratuito, que seriam os reais hospedeiros.
O argumento acima serve para tentar “tirar o site da reta”, como se o fato de se fazer somente referência à pirataria não configurasse infringimento da lei. Fazendo uma analogia ao tráfico de drogas, se você não é traficante, mas “arranja” entorpecentes para os seus amigos por ter bons contatos na área, você também é um criminoso e é considerado um traficante, aos olhos da lei. Da mesma forma a lei antipirataria pode ser aplicada à distribuição ilegal de músicas pela internet.
Outros “serviços” de download usam como defesa o fato de não obterem lucro com a distribuição das músicas. Ora, isso é uma mentira criada para que os donos dos sites convençam a si próprios de que não são criminosos, mas o fato é que são. Por mais que digam que não obtêm lucro, tais sites veiculam publicidade em suas páginas. Novamente, o site poderia se defender, dizendo que o lucro da publicidade não tem nada a ver com o download das músicas, mas na verdade, ele têm SIM, pois o motivo principal da presença da publicidade é atrair os cliques dos visitantes que entram no site para baixar os arquivos piratas.
Enfim, existem diversos tipos de argumentos usados para tentar dissimular ou interpretar a lei, de forma que a prática de distribuição não autorizada de música seja considerada legal. A maioria absoluta das defesas utilizadas é completamente equivocada — seja acidental, para realmente se defender, seja intencional, para convencer o usuário de que não há problema algum. Elas demonstram o desconhecimento do brasileiro às leis do próprio país.
Há ainda aqueles que não se preocupam em tentar enganar o visitante ou explicar que não são piratas. Eles simplesmente enfrentam a lei e batem o pé quando são desafiados. Estes são os mais audazes e costumam hospedar seus sites em países onde a legislação é diferente, bem como armazenar os arquivos baixáveis de forma disfarçada em serviços de hospedagem gratuita.
No Brasil, a lei 10.695, de 1º de Julho de 2003, tem um texto muito claro: NÃO é permitida a cópia e distribuição de música, seja ela pelo meio que for — e isso inclui a internet — sem a prévia autorização do proprietário dos direitos autorais. Outra frase contida na lei é a que diz que o uso comercial, ou seja, com fins lucrativos, de material fonográfico, sem prévia autorização, também é crime.
Mas há um detalhe na lei que algumas pessoas costumam ignorar: a lei diz que não importa se o lucro é direto (pela venda de CDs piratas, por exemplo), ou indireto (pela veiculação de publicidade em sites de distribuição de MP3), se você disponibiliza músicas sem autorização, você é um criminoso.
Portanto, engana-se quem pensa ou faz pensar que divulgar links para downloads de música é algo lícito. A veiculação de publicidade nesse tipo de site caracteriza lucro indireto. Assim, a prática é contra lei por dois motivos: 1. Distribuir música sem autorização e 2. Obter lucro indireto.
Existe somente um caso em que a lei permite a cópia de material fonográfico, que é quando você possui o CD original e quer fazer uma cópia para o SEU PRÓPRIO uso, sem distribuir o CD para que seus amigos o copiem. A lei ainda especifica que o número de cópias não deve passar de um.
Sabendo disso, alguns sites dizem que não há problema para o usuário que baixar músicas de um CD que já possui. Em uma situação de fiscalização, o usuário estaria amparado pela lei, pois possuiria uma cópia de segurança do conteúdo já adquirido. Mesmo assim, o usuário que faz isso está estimulando a continuidade da pirataria. Se você colocar no ar um site que disponibiliza músicas, sem pagar os devidos direitos autorais, ou sem autorização prévia do proprietário, você não estará só desrespeitando a lei, mas também os artistas que suaram a camisa para compor a obra e proporcionar algum entretenimento aos fãs.
A grande verdade é: quando alguém resolve disponibilizar conteúdo na internet, seja ele uma música, filme, programa, etc., não há mais como controlar sua disseminação. Uma música postada em um site ou compartilhada via P2P é baixada em minutos, e em questão de horas, milhares de cópias já estão circulando. A cada site ou replicador desativado, vários outros surgem com o mesmo conteúdo.
Isso não dá nem tira a razão de ninguém, mas se a lei existe, ela deve ser cumprida, e se a lei é ultrapassada, ela deve ser revista. Aparentemente, combater a pirataria não a inibe, assim como inúmeras outras atividades criminosas. Por isso, o que se deve fazer é evoluir o pensamento, e não os processos. Isso quer dizer que ao invés de combater os piratas da forma como está sendo feito, poderiam ser oferecidas alternativas mais interessantes para o usuário, no intuito de fazer com que ele prefira ter conteúdo dentro da lei.
Partido Pirata
A União Europeia já tem até um partido político que defende a liberdade incondicional da informação, seja ela qual for. Apesar de ter o nome “Partido Pirata”, a iniciativa não defende a pirataria, pelo contrário, eles lutam para atualizar a leis que de direito autoral, que consideram obsoletas e injustas. O partido já conseguiu até uma cadeira no parlamento da União, com pouco mais de 7% do total de vostos da Europa. Todos esses votos vieram da Suécia, país de origem do partido.
Em outras partes do mundo, organizações também começaram a se movimentar para criar ações similares. Pode ser o início de uma revolução nas legislações de muitos países, no sentido de mudar as leis para adaptá-las à realidade da sociedade atual. Diversos países, inclusive, já possuem leis que permitem maior liberdade na distribuição de música. A própria Suécia é um exemplo — um dos maiores trackers de bittorrent do mundo, o PirateBay, tem sede na Suécia e sempre recebe diversas ameaças de processo, mas responde categoricamente: “suas leis não se aplicam à Suécia. O site e o conteúdo que nele reside não serão tirados do ar.”
Iniciativas
Como sempre, empresas notam tendências e oportunidades muito mais rápido que governos. Assim, algumas já encontraram as alternativas mencionadas anteriormente, que até já fazem parte da vida diária de muitas pessoas. Essas empresas perceberam que não adianta remar contra a maré e estão disponibilizando músicas para compra avulsa, via internet.
Os dados da ABPD sobre a venda e distribuição de música digital legalizada são extremamente promissores. O mercado mal começou e já ferveu, com mais de R$8 milhões e meio movimentados com a venda de música, em 2006. Mas o mais incrível é que 96% disso (pouco mais de R$8 milhões) são vendas para a telefonia móvel. E se você pensa que isso é pouco, basta olhar os dados do ano de 2007: foram quase R$25 milhões de reais faturados, com 76% disso vendido para os celulares. No total, é um crescimento de 185%, no período de somente doze meses.
A tabela abaixo mostra os números exatos (fonte: ABPD)
Ou seja, o usuário aos poucos está percebendo que vale muito mais a pena comprar e baixar suas músicas direto para o celular, do que ter o trabalho de encontrar uma versão pirata, enfrentar milhares de janelas pop-up com pornografia, para depois de algum trabalho braçal, conseguir baixar os arquivos. Após isso, começa outro trabalho braçal: extrair as músicas do arquivo compactado, conectar o celular ao computador e transferir tudo para ele.
Acabamos de mostrar acima que há ótimas alternativas para a pirataria. Cabe às empresas, às organizações não governamentais e ao próprio governo, estimularem esse tipo de mercado, para que não seja mais interessante adquirir conteúdo pirata e o usuário seja automaticamente desestimulado a baixar conteúdo ilegal.
Exemplos que estão dando certo
A quantidade de sites na internet que vendem músicas avulsas ou CDs completos por download está cada vez maior. Basta uma pesquisa rápida em qualquer site de busca para que achemos a música desejada. Outra ideia genial que alguns artistas tiveram foi a de disponibilizar suas obras totalmente de graça em seus sites oficiais.
Recentemente, a banda Smashing Pumpkins decidiu lançar uma a uma as músicas do novo álbum, até completá-lo no site. Após isso é que a banda lançará o CD nas lojas. A banda Radiohead foi mais longe, disponibilizou suas músicas no site oficial, para que você faça o download e pague o valor que puder, ou que quiser.
São muitos os exemplos de artistas que já perceberam que não adianta cutucar onça com palitos de dentes. Podemos notar com isso que finalmente o mercado está se adaptando. Mas, logicamente, as empresas do ramo também já se movimentam para conquistar mais consumidores de música digital legalizada.
Alguns exemplos de gigantes que já estão neste mercado são Microsoft, Apple, Amazon, Nokia, e diversas outras empresas. A Apple foi uma das primeiras entre as grandes, com sua loja integrada com o iTunes. Hoje, com o iTunes LP, é possível comprar e baixar álbuns inteiros, incluindo a capa, o encarte, as letras das músicas e até faixas bônus exclusivas.
A Microsoft recentemente atacou com o seu Windows Mobile 6.5, que está presente na nova geração de celulares com Windows, já disponível no Brasil. Os aparelhos são capazes de se conectarem à loja da Microsoft para que o usuário compre aplicativos e, em um futuro próximo, deverá integrar um serviço de compra de músicas.
Alternativas igualmente interessantes são os planos de consumo, muito parecidos com os planos de minutos das operadoras de telefonia. Na música digital, funciona de forma similar: você paga uma quantia por mês e tem o direito de fazer o download das músicas que escolher. O número de músicas dependerá do plano contratado. Um exemplo desse modelo de negócios é o telefone celular Nokia 5800 “Comes With Music”, recém lançado pela empresa.
O preço do Nokia 5800 ainda é salgado e, por isso, poucos consumidores terão a oportunidade de aproveitar suas vantagens. Mas a tendência, como qualquer lançamento, é que o serviço se popularize e cada vez mais aparelhos surjam oferecendo mais vantagens para quem não dispensa uma boa música, em qualquer momento do dia. Comprando este celular, você poderá baixar quantas músicas quiser pelo período de um ano. Depois disso, será necessário que você as compre através da Nokia Music Store.
*O Baixaki já testou e fez uma análise do Nokia 5800 Comes With Music. Não esqueça de visitar o artigo para conhecer melhor o aparelho.
Estes são somente alguns serviços que ainda engatinham para conquistar a preferência do público. Está provado, portanto, que a pirataria poderá ter seu fim no tipo de proposta que as empresas começaram a lançar no mercado. Com o tempo, novos planos de compra serão lançados, com inúmeras vantagens em relação ao MP3 ilegal.
É o fim da pirataria?
Para finalizar, deixamos aqui algumas dúvidas, que você poderá responder usando o sistema de comentários:
— Você acha que caçar os “piratas” está adiantando?
— Será que ao invés de punir milhões de usuários, eles não deveriam ser convencidos de que é melhor comprar as músicas?
— O que você acha sobre esse assunto que gera polêmica e ainda vai dar muito “pano pra manga”?
— Os novos modelos de negócio, que oferecem a compra e download de músicas legalizadas conseguirão convencer o usuário a não utilizar mais as fontes ilícitas?
— Será este o fim da pirataria, finalmente?
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